27/05/2021 - Conselho Municipal de Educação ratifica posição contrária ao homeschooling; para o SINPEEM, a educação domiciliar amplia a desigualdade social para o aprendizado

        Na Recomendação nº 2, publicada no DOC de 29/04/2021, o Conselho Municipal de Educação de São Paulo (CME) ratifica seu posicionamento contrário à regulamentação da educação familiar - conhecida como homescholling - na educação básica, que inclui a educação infantil e os ensinos fundamental e médio.

        Com a finalidade de contribuir com os debates sobre o PL nº 84/2019, que tramita na Câmara Municipal e prevê a regulamentação desta modalidade de ensino, o CME apresenta uma exposição de motivos baseada nos princípios constantes na legislação e normas nacionais, estaduais e municipais e nos fundamentos pedagógicos construídos ao longo de décadas. 


Aspectos a serem considerados no debate sobre a regulamentação da educação domiciliar

         Segundo o CME, os diferentes projetos de lei que tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado - PLs nº 3.179/2012, nº 3.261/2015, nº 10.185/2018, nº 5.852/2019, nº 3.262/2019, nº 6.188/2019 e nº 2.401/2019 - que propõem mudanças na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), ou no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ou em ambas as leis, e, em um deles, a alteração no Código Penal Brasileiro, para regulamentar a oferta domiciliar da educação básica apresentam problemas para debate e votação. Entre eles:

  • não fazem referência à necessidade de competências didáticas e pedagógicas essenciais dos pais ou dos tutores, sobre como ensinar e, o mais importante, como os bebês, as crianças, os adolescentes e jovens aprendem;

  • restringem parte essencial do processo educativo e de humanização pelos quais se estabelecem relações de empatia, solidariedade, cidadania, essenciais ao desenvolvimento psíquico, social e afetivo, por limitar a convivência e a interação dos bebês, das crianças, dos adolescentes e dos jovens com seus pares e com diferentes grupos sociais;

  • não consideram que a convivência restrita ao ambiente familiar traz prejuízos à identificação de comportamentos de risco dentro dos ambientes familiares como violências domésticas: abuso sexual, violência física e emocional e até mesmo a exploração sexual, de crianças e adolescentes comprometendo o importante papel da escola na rede de proteção social;

  • comprometem o direito à educação escolar de forma significativa;

  • ampliam a desigualdade social e educacional no nosso país;

  • atentam contra o direito dos(as) bebês, crianças, adolescentes e jovens a uma formação integral, de qualidade social;

  • contrariam a concepção segundo a qual a educação deve ser objeto de responsabilidade compartilhada entre Estado, família e sociedade;

  • quanto à obrigatoriedade de matrícula e frequência, o PL nº 3179/2012 e apensados ferem ainda, a recente Lei Federal nº 13.803/2019, que altera dispositivo da Lei nº 9.394/1996, ao obrigar a notificação de faltas escolares ao Conselho Tutelar quando superiores a 30% do total permitido em lei, considerados os 200 dias letivos, caso não tenha uma sistemática de supervisão dos dados de frequência.

        Implicações iniciais da regulamentação do ensino domiciliar apontadas pelo CME:

  • no Brasil, cerca de 15 mil famílias realizam a educação básica nos domicílios sem a regulamentação. Há um grande risco de que, com a regulamentação, esse número se amplie não havendo estrutura para o acompanhamento por parte do poder público;

  • risco de a educação domiciliar ser aprovada como modalidade da educação básica e, por consequência, ser financiada pelo Fundeb;

  • pressupõe que pais, responsáveis ou eventuais tutores são capazes de substituir o papel da escola e de garantir uma formação ampla, englobando as Diretrizes Curriculares Nacionais, a Base Nacional Comum Curricular, a formação para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho;

  • desconsidera os avanços do campo da pedagogia, psicologia escolar, licenciaturas e tantos outros campos das ciências. Deste modo, podemos entender que ao optar pelo ensino domiciliar, os pais estão cometendo abandono intelectual, conforme prevê o artigo 246 do Código Penal Brasileiro, na medida em que estariam privando crianças e adolescentes do convívio comunitário em espaços coletivos de formação;

  • priva do convívio com a comunidade escolar, dificultando que crianças e adolescentes denunciem possíveis casos de violência;

        Ainda de acordo com o Conselho Municipal de Educação, propor o ensino domiciliar é defender o distanciamento dos estudantes de todo esse contexto relacional, estudado e construído por muitos anos pelos educadores e pelas famílias, tão primordial para aprendizagem e para a vivência da cidadania. 


 SINPEEM: homeschooling amplia a desigualdade social para o aprendizado

        Para o SINPEEM, a regulamentação da educação domiciliar certamente agudizará uma situação ainda maior de desigualdade social para o aprendizado. 

        A aprendizagem diária é própria da escola, que atende às diretrizes e parâmetros curriculares, num ambiente que, além da aquisição de conhecimento, favorece a formação integral do aluno. E não há como garantir, no homeschooling, que a família dê conta de atender às necessidades educacionais num mundo cada vez mais plural. Tampouco que os profissionais contratados pelos pais estarão qualificados para cumprir as determinações legais que envolvem o processo de ensino/aprendizagem numa dinâmica que tira da criança e do adolescente a possibilidade de socialização e criação de vínculos, tão importantes na formação de todos os cidadãos. 

        A complexidade da regulamentação da educação familiar tem acirrado as discussões entre educadores e especialistas. Para a maioria, o ensino em casa deve ocorrer somente como medida emergencial, como agora, diante da pandemia da Covid-19, como forma de preservação da vida.

        O esforço do governo deve ser na direção contrária do homeschooling. Deve trabalhar para equacionar o déficit educacional no país, com investimentos na formação dos profissionais de educação e na solução de problemas como a evasão escolar e a reprovação, possibilitando que a rede pública seja capaz de oferecer ensino de qualidade, com conteúdo associado ao desenvolvimento socioemocional. 

        Entendemos que a escola, como palco privilegiado para o desenvolvimento do processo de ensino/aprendizagem, é o ambiente de socialização, contraposição, formação integral do aluno, bem como de interação necessária com profissionais com formação específica, portanto realmente qualificados para este fim.

        É preciso que a sociedade se mobilize para que a institucionalização do ensino domiciliar não caminhe na contramão da necessidade de o governo oferecer educação pública gratuita, laica e de qualidade para todos, em todos os níveis e modalidades de ensino, com investimentos na ampliação da rede física, infraestrutura e valorização dos profissionais de educação. Portanto, defendemos que a sua regulamentação não seja aprovada em nenhuma instância, seja municipal, estadual ou federal.


CNTE lista oito argumentos para dizer não à educação domiciliar

        1. Compromete o direito das crianças e adolescentes à convivência social e ao acesso aos conhecimentos científicos e humanísticos e visões de mundo

        Para além daquelas defendidas pelas doutrinas religiosas e políticas de suas famílias. Esse direito foi reafirmado pelo Parecer nº 34/2000 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação(CEB/CNE) e pelas decisões históricas do Supremo Tribunal Federal em julgamentos de 2020, referentes às ações que tratam de leis inspiradas pelo movimento Escola sem Partido. As crianças e adolescentes não são propriedades de suas famílias


        2. Oculta e aumenta a violência doméstica e a exploração sexual

         A não obrigatoriedade de frequência à escola inviabiliza a identificação e encaminhamento de casos e amplia as possibilidades de ocorrência de violência doméstica e sexual. Cerca de 70% dos autores de agressões contra crianças e adolescentes são integrantes da família. Em 2020, durante o isolamento social e o fechamento de escolas, acarretados pela pandemia, o Brasil atingiu o maior número de denúncias de violência contra crianças e o adolescentes desde 2013 por meio do Disque 100. Foram 95.247 denúncias, uma média de 260 novos casos a cada dia. A educação domiciliar não protege as crianças e adolescentes da violência.

        3. Aumenta a insegurança alimentar e nutricional

        A pandemia evidenciou o papel da escola como a política pública mais capilar e cotidiana, estratégica para o acesso a outros direitos e o enfrentamento das desigualdades. O Programa Nacional de Alimentação Escolar é uma das mais relevantes políticas voltadas à garantia do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas via escola. para muitos estudantes, é na escola que se faz a única ou a principal refeição do dia.

        4. Rompe com a política de educação especial na perspectiva da educação inclusiva

      A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva foi uma conquista pela igualdade ao acabar com a segregação de estudantes em escolas e classes especiais prevendo como um direito das crianças e adolescentes com deficiência a frequência às escolas regulares. A aprovação da modalidade da educação domiciliar pode favorecer que crianças com deficiência sejam retiradas da escola e, com isso, do convívio social, ou, ainda, legitimar que instituições recusem a matrícula desses estudantes.

        5. Aprofunda as desigualdades educacionais

        A educação domiciliar não é uma alternativa viável para a maioria da população brasileira, já que requer condições de funcionamento indisponíveis em boa parte dos lares. Trata-se, assim, de um projeto elitista, sem interesse coletivo e com baixa demanda social. A escola é o local de oportunidades igualitárias para novas aprendizagens, de interação e respeito às diversidades.


        6. Estimula a evasão escolar

        Como forma de combater a evasão, a estrutura escolar prevê o acompanhamento e a busca ativa de estudantes com queda de frequência. Já a educação domiciliar aumentará o distanciamento entre estudantes e Estado, dificultando a identificação de evasão e a implementação de estratégias de busca ativa. Segundo pesquisa do Conselho Nacional de Juventude (2020), 28% dos jovens que evadiram em decorrência da pandemia não pretendem retomar os estudos quando houver retorno presencial. Neste contexto de aumento de evasão, a prioridade de alocação de recursos e pessoal deve ser o fortalecimento das escolas públicas e das políticas de busca ativa, não um distanciamento ainda maior Estado-estudante.


        7. Fragiliza a democracia e a cidadania

        A pandemia evidenciou a importância da escola e dos espaços de socialização de crianças e adolescentes. A escola é um espaço fundamental para a construção de uma sociedade democrática ao possibilitar o convívio social. É nela que estudantes aprendem a reconhecer e respeitar as diferenças e a conhecerem outras visões de mundo. Privar crianças e adolescentes do direito à escola é restringir o exercício da cidadania.


       8. Onera os cofres públicos para uma baixa capacidade de atendimento de demanda

       A educação domiciliar não pode ser encarada como economia aos cofres públicos. Sua regulamentação demanda uma estrutura de avaliação e de fiscalização de ambientes domésticos, com difícil capilaridade e alto custo para o Estado. Regulamentar a educação domiciliar demandará provisionar recursos para o custeio da sua operacionalização: acompanhamento de matrículas, aplicação de avaliações externas, contratação de supervisores, além de novas demandas não dimensionadas para conselhos tutelares e escolas. Trata-se de situações não mensuradas nos projetos em debate no Congresso e sequer passíveis de solução dentro da constitucionalidade.


A DIRETORIA

CLAUDIO FONSECA
Presidente
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